“Nesta cidade, mata-se por brincadeira. Não gosta da cara do outro, sai tiro. A violência é demais e estamos com medo. Após 25 anos morando aqui, decidimos ir embora. A vida não vale nada em Itupiranga”. A frase é do pescador Francisco Gomes da Silva, de 66 anos, que teve o filho João Cipriano Gomes, de 34 anos, assassinado na última semana de outubro na cidade considerada pelo Ministério da Justiça como a mais violenta do país.
Localizada a 55 km de Marabá (PA) e com população de cerca de 51 mil habitantes, Itupiranga apareceu no ranking do Mapa da Violência 2011 do governo federal com taxa de 160,6 homicídios por 100 mil habitantes, conforme dados de 2008. Tanto Itupiranga como Marabá encabeçam a lista das cidades mais inseguras no Brasil com mais de 10 mil habitantes. Isso contribui para o que o novo estado de Carajás, que pode ser criado caso a população decida separar o Pará no plebiscito de 11 de dezembro, já nasça com a preocupação de combate contra a criminalidade.
As mortes normalmente são motivadas por rixas, vinganças ou desentendimentos fúteis. Para as polícias Civil e Militar, o grande número de vilarejos distantes, com população variando entre mil e 7 mil habitantes, além do reduzido efetivo, dificultam o combate aos assassinatos, provocados na maioria por facas, espingardas ou armas caseiras. A PM tem apenas 33 homens em toda a cidade, sendo que dois grupos de 4 ficam lotados especificamente em duas comunidades. Já na delegacia, é só um delegado, dois investigadores e um escrivão que se revezam no atendimento.
“Temos povoados, como Cruzeiro do Sul, que ficam a 200 quilômetros da área. Na época da chuva, leva-se quase um dia para chegar lá de carro”, diz o capitão Kojak Antônio da Silva Santos, que assumiu o policiamento da cidade em julho, após a divulgação do Mapa da Violência e reforçou o policiamento ostensivo, aumentando o número de armas e drogas apreendidas e suspeitos detidos.
Nos últimos 4 meses, houve 6 mortes na cidade. O filho de Francisco foi o último caso registrado. Ele foi assassinado a tiros após uma festa na Estrada do Tauri no último dia 30 de outubro. O suspeito ainda não foi preso, mas a polícia apura o crime.
Vivendo com medo
“Dias depois de meu filho morrer mataram outro homem, de família rica, e acham que temos ligação com isso. O medo para nós é tanto que nem fui atrás ver quem tinha matado meu filho. A gente não deve, mas eu estou com medo, decidi pegar meus filhos e ir embora. Violência gera violência e quem quer viver, tem que procurar tranquilidade”, diz o pescador, que fez um empréstimo no banco para deixar a cidade.“Não conseguimos mais dormir, ficamos doentes. Isso não é vida. A qualquer hora pode chegar alguém aqui, em uma moto, dar um tiro e depois some. São sempre assim os casos”, afirma Francisca.
"Aqui neste lugar, falta tudo. Além da violência, não tem emprego, não tem saúde. Se a pessoa não tem o que fazer, vai para a criminalidade. A gente vai votar no 'sim' à separação. Acha que, se criar o Carajás, as coisas vão melhorar. O dinheiro vai ficar aqui nas nossas terras", diz o pescador José Francisco da Silva, de 41 anos.
Segundo o delegado Vinicius Cardoso das Neves, que responde pela cidade, a maioria dos assassinatos não está mais ligada a brigas latifundiárias, como nas décadas de 80 e 90. Hoje, o tráfico de drogas é o fator que gera preocupação e assassinatos na cidade, principalmente no bairro Caveirinha, próximo ao cemitério local. Outra motivação são dívidas ou motivos fúteis, como traição.“Prendemos recentemente um homem que matou uma mulher a facadas após ter relações com ela, e também um adolescente de 17 anos que matou a tijoladas outro colega por causa de drogas”, afirma.
Carceragem lotada
Na sede da Polícia Civil, apenas dois investigadores trabalham, em um regime de 24 horas. Eles "moram" na delegacia por 7 dias ininterruptos. Em seguida, tiram 7 dias de folga e podem voltar para casa e outros dois agentes assumem o posto.
A população aparece a todo instante no distrito para fazer denúncias de traição, ladrões, venda de drogas e pedir conselhos sobre ameaças procedentes de dívidas ou outros motivos. A carceragem, um quartinho de cerca de 2 metros de largura por 2 de comprimento, abriga 8 presos. Alguns já encarcerados no cubículo há quase cinco meses. Dentre os que aguardam transferência, estão presos por estupro, tentativa de homicídio, tráfico e roubo. À reportagem do
G1, todos alegaram inocência.Um dos detidos é suspeito de tentar estuprar a enteada de 12 anos em Cruzeiro do Sul e foi denunciado pela própria mulher, segundo o delegado. “Muitas pessoas migram para cá para buscar emprego, dinheiro, e não têm vínculo com a terra. Quando se envolvem em algo, eles somem. O povo os conhece apenas por apelidos, é o Zé Branco, o João do Pulo. Fica difícil a identificação e, quando o juiz expede o mandado de prisão, não conseguimos localizar. Já foram embora”, afirma o delegado.
Segundo Neves, o Instituto Médico Legal (IML) de Marabá possui um convênio com funerárias por toda a região devido à dificuldade de poucos carros de cadáver conseguirem remover os corpos em áreas distantes. “A própria funerária já pega o corpo e leva para o IML”, diz o delegado.
Povo liga direto para o ‘xerife’
Quando se fala em segurança, o primeiro nome que se ouve nas ruas é “Pinheiro”. É o cabo da PM Josafá Pinheiro, espécie de “xerife” de Itupiranga, devido à fama de repressão contra a criminalidade nas áreas periféricas da cidade. Dizem que ele já matou traficantes e fez prisões importantes de criminosos que incomodavam a população. O PM afirma que há muita lenda sobre seu nome, mas confirma a fama de durão.
“Tem muita lenda sobre meu nome porque eu pego pesado com a bandidagem, prendo ladrões e traficantes. Estou em Itupiranga há quatro anos e as coisas melhoraram desde então, por isso a população gosta de mim. Tivemos alguns confrontos em que criminosos foram mortos, mas tudo foi investigado e esclarecido. Onde eu trabalho não vai ter roubo nem de bomba de água”, afirma ele, referindo-se a um dos crimes mais frequentes nas cidades pequenas da periferia do Pará, onde jovens furtam bombas de poço de água para trocar por crack.
MarabáEm um possível cenário de divisão do Pará, caso a população aprove a criação de dois novos estados no plebiscito que será realizado em 11 de dezembro, o futuro estado de Carajás será composto por 39 municípios, sendo Marabá a capital. Marabá é a segunda cidade com mais de 100 mil habitantes onde mais se mata no país. São cerca de 125 homicídios para cada 100 mil habitantes, segundo o Mapa da Violência do Ministério da Justiça deste ano.
Segundo o superintendente regional da Polícia Civil para o sudeste do Pará, delegado Alberto Henrique Teixeira de Barros, “é lenda” que as mortes na região envolvem conflitos agrários: “de 90% a 95% dos assassinatos são pelo tráfico”, afirma. “Neste ano, só tivemos a morte do casal de extrativistas de Nova Ipixuna e mais uns três casos isolados que podem ser relacionados a questões fundiárias e agrárias. As mortes agora são provocadas pelas brigas entre traficantes, que invadiram a cidade”, diz o delegado.
Outro problema de Marabá e da região de Carajás é que não se vê policiamento nas ruas. O tenente-coronel José Sebastião Valente Monteiro Junior, que comanda o batalhão responsável por nove cidades da área, diz que o efetivo é reduzido. Segundo ele, há 586 PMs à disposição, mas sua unidade deveria ter 1.022. Pelos cálculos do oficial, há em média um policial para cada 1.500 habitantes na cidade. Em alguns bairros, como o Cidade Nova, o número chega a um PM por 1.875 moradores, afirmou. O recomendado pela ONU é de cerca de um policial para 250 habitantes.